quinta-feira, 27 de novembro de 2008

"A presença do outro latejaria a teu lado quase sangrando, como se o tivesses apunhalado com tua emoção não dita. Tuas mãos apoiadas em bengalas mentirosas não conseguiriam desvencilhar o gesto para romper essa espessa e invisível camada que te separa dele. Por um momento desejarás então acender a luz, dar uma gargalhada ridícula, acabar de vez com tudo isso, fácil fingir que tudo estaria bem, que nunca houve emoções, que não desejas tocá-lo, que o aceitas assim latejando amigo belo remoto, completamente independente de tua vontade e de todos esses teus informulados sentimentos."


Caio F. Abreu

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Capítulo 2: As coisas tão mais lindas.

Ela sabia que não podia ouvir aquele CD. Não podia, de jeito nenhum. Ouvi-lo era voltar ás crises de choro, e ao nó na garganta já habituais, dos quais ela arduamente se recuperara. Mas ela gostava de correr riscos, e sem pensar duas vezes apertou o play. Sentiu imediatamente o gosto já conhecido e tão amargo na boca. Gosto de poeira. Gosto de nostalgia. As lembranças vieram logo depois, cada uma se postando em seu devido lugar, trazendo junto as lágrimas. As lágrimas. Ela sabia que elas não demorariam a surgir. E surgiram, manchando de vermelho seu rosto pálido e seus olhos tão verdes. Tão verdes, e tão vermelhos...
Ela já não saberia dizer.


As lembranças desfilavam em sua frente com a arrogância que só elas sabem ter. Porém, em seus rostos ela já não via mais que um borrão colorido. Percebeu que havia se esquecido de como era ouvir a voz dele, de qual era a textura de sua pele, e se esquecera até mesmo da risada tão bonita que ele costumava guardar só pra ela. Tentou se lembrar de cada detalhe, de cada beijo. Não conseguiu. Sentiu-se estranha, como se o sangue tivesse voltado a correr por todo seu corpo. Estava livre, afinal. Como se tivessem apagado de sua memória tudo capaz de lhe causar dor. E das lágrimas em seu rosto, em vez da poeira, só pôde sentir o gosto de sal. Seu coração era um lar, e ela teve enfim a certeza de que ele fora habitado de novo. Havia flores nas janelas, e haviam os olhos tão verdes. Tão verdes e tão cinzas...
Ela já não saberia dizer.