quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Sobre as palavras. (de mim à mim mesma)

Palavras. De que te servem agora, as palavras? Elas não preenchem teu vazio. Elas não vão te botar no colo e dizer: calma calma vai ficar tudo bem tristeza é coisa passageira seja feliz muito feliz. Não vão. Não te servem de nada as palavras, do mesmo modo que não te serve de nada saber lidar com elas. Não adianta manipular as palavras, elas não vão construir uma realidade ideal pra você. Elas só vão expôr seus medos. É isso que elas fazem. Expôem seus medos para quem se dispôr a decifrá-las. E os outros, os outros não entendem. Nem o seu vazio, nem o seu medo, nem as suas palavras.


As palavras não são suficientes para acalmar seu coração tão atribulado. Elas só registram a sua dor sem curá-la. Um retrato cruel e fiel da realidade. E como um retrato, só têm uma função: captar, sem no entanto compreender.


Elas se alimentam da sua tristeza, precisam da sua agonia pra nascer. Já percebeu que todos os escritores são infelizes? Eles precisam dessa tristeza. É dela que as palavras vivem. Quanto mais tristeza, mais bonitas elas surgem. E você não quer ser infeliz.


Aprenda que só você é capaz de preencher esse vazio. As palavras são suas amigas mais traiçoeiras. Quando você mais precisar, elas vão faltar. Não vão querer sair. Vão ficar presas, e formar um nó na sua garganta. Um nó que sufoca, e mata.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

no ano que vem.

Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na lagartixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.


Caio F. Abreu