segunda-feira, 14 de abril de 2008

O Espelho.

Ela se encontrava ali, sentada diante do imenso espelho. Espelho que ocupava o mesmo lugar havia tanto tempo. Espelho que já refletira no mínimo três gerações de vaidade familiar. E ela ali, sentada. Quisera talvez encontrar sua alma refletida ali. Sua alma, e todo mistério oculto por trás de pele, osso e olhares. Olhares tão vazios.

Se assustou de repente, como se temesse aquele pedaço de vidro. Afinal, ele já havia visto tanto de sua vida. Refletira tórridos romances, refletira suas mágoas, porres homéricos, brigas incessantes. Teve a impressão de estar diante de um velho conhecido, daqueles que sabem melhor da sua vida que você mesmo.
Quis tirá-lo dali, como se temesse a hipótese de ele refletir todo aquele infinito particular pra mais alguém. Xingou-o de mil nomes, e ele a respondia. Podia ouvir cada retaliação, mesmo que silenciosa. Brigava com o espelho, e brigava com si mesma. Temia que sua vida se resumisse a um eco silencioso, a lembranças de imagens refletidas... a um pedaço de vidro.

Chorou. E o espelho lhe chorou de volta. O mesmo que a xingara minutos atrás. Teve raiva, chamou-o de imoral. E insanamente, deu um soco na réplica de si mesma que havia ali. O espelho se partiu em mil, e o líquido vermelho escuro brotou de sua mão. Mas não o pode ver refletido, não em cacos tão pequenos do espelho que gravara lembranças de sua vida. Sangrara sozinha afinal.

Olhou os pingos que formavam uma pequena poça no chão. Olhou a moldura intacta. Lembrou de Picasso, e sua "Jeune fille devant un miroir". E se descobriu tão viva quanto aquele vermelho. Um vermelho cor de sangue.

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