sábado, 27 de dezembro de 2008

Amor Retrô.

Conheceram-se num daqueles cafés pequenos do centro da cidade, apinhados de estudantes e trabalhadores com cara de sono. Conheceram-se e reconheceram-se imediatamente. Ela, com suas pilhas de livros e sonhos em preto-e-branco. Ele, com sua guitarra e o ar de superioridade que lhe caía tão bem quanto o cigarro estrategicamente colocado no canto da boca e os jeans apertados. E se apaixonaram.


Juntos completavam-se, e destoavam da multidão que passava todos os dias pelas ruas desgastadas da metrópole paulista. Ela lhe ensinava a gostar de cinema, e assistia com ele a todos os filmes do Godard, enquanto ele criava os mais belos acordes só pra ela. Ela lhe mostrava tudo sobre as vanguardas européias e os rumos que a arte tomara desde então, ele a fazia ouvir Pink Floyd de olhos fechados e as mãos entrelaçadas nas suas. E pensavam que era tudo o que sempre haviam desejado.


Até que um dia aconteceu. Uma briga, lágrimas e portas batendo. Ela foi embora e ele ficou, sentado no sofá vermelho que haviam comprado juntos. Ele ficou. Com o sofá, as pontas de cigarro, as lembranças, os vinis espalhados, e a casa vazia. Os dias que se seguiram foram como um pesadelo para ambos. Ela os compararia depois com algum filme surrealista que ele esqueceu o nome. Ele, com o fim dos Beatles.


Sem ele, ela descobriu que seus quadros perdiam a tinta.
Sem ela, ele descobriu que seus acordes saíam do tom.


Então ela voltou. Encontrou a porta aberta, como se nada tivesse mudado desde a última vez em que estivera ali. O sofá vermelho, os pôsteres do Warhol, os vinis e o cigarro. O coração dele estava ali, e o dela também. Encontrou-o sentado na cama com o violão na mão, brigando com uma melodia que insistia em não sair. Tirou o violão de suas mãos e o beijou como nunca fizera antes. E ambos souberam que era pra ser assim. Juntos.


Ele com suas escalas, semi-tons e sustenidos.
Ela com seus planos cortados, narrativas distorcidas e as pilhas de livros.

Juntos.

Um comentário:

Enzo Braga Bittencourt Chinelatto disse...

Ju, além de seus textos serem impecáveis do ponto de vista gramatical, sua sensibilidade é algo que me causa muita admiração. Seus textos sempre são, pra mim, um motivo pra acreditar na capacidade criadora dos adolescentes. Parabéns, mais uma vez.
ps: principalmente a primeira parte do texto lembra "Eduardo e Mônica". Lembra, sem deixar de ser original.